Pena de Morte: Sem Graça

Postado por Luis Calil

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Aqui vão algumas considerações sobre a pena de morte que eu precisava tirar da cabeça, inspiradas por este excelente artigo de Michael Shermer:

Se a preferência por pena de morte se dá pelo desejo de uma satisfação emocional de punição e vingança, de uma atitude “olho por olho”, então ela é uma preferência predominantemente religiosa, justificada pela idéia dum Inferno onde o criminoso sofrerá de forma bem mais perversa do que passar o resto da vida numa cela com cama, vaso, revistas, cigarros, TV, etc. (Apesar de Cristo ter dito alguma coisa sobre mostrar a outra bochecha…)

Para um ateu, como eu, isso não cola. Quando um criminoso é executado, ele deixa de estar consciente e, portanto, deixa de ter oportunidades de sofrer. Pode-se dizer que tirar o seu direito de viver é a punição, mas quando esse direito for removido, o criminoso não vai estar acordado para reclamar. É por isso que eu costumo falar que é muito mais satisfatório, para um ateu sádico, ver o criminoso sofrendo por décadas na gaiola do que sofrendo alguns anos e morrendo.

Essa posição foi dificultada pra mim quando vi uma palestra do psicólogo Dan Gilbert apontando algo meio contra-intuitivo sobre felicidade. Ele fez a seguinte pergunta: Um ano depois, quem é mais feliz, um cara que ganhou na loteria ou um cara que ficou paraplégico? A resposta parece óbvia, mas de acordo com estudos feitos sobre esses dois grupos de pessoas, ela não é. Um ano depois, ambos estariam num nível de felicidade bem aproximado. Gilbert vai mais longe ainda: ele afirma que a maioria dos acontecimentos na sua vida, sejam positivos ou negativos, não vão ter quase nenhum efeito após alguns meses.

Então, se o criminoso se acostumar com sua situação na cadeia e voltar a viver uma vida relativamente “agradável”, ele passar o resto da vida lá não será muito satisfatório pra quem quer o ver sofrer. Por outro lado, para quem não acredita em diabinhos com tridentes espetando bundas levadas[1], um criminoso morto não vai sofrer nem um pouco[2]. Talvez a solução seja piorar as condições na cadeia – algo em que o Brasil já é craque.

Se não se pode conseguir satisfação por punição de um jeito ou de outro, talvez seja melhor dar um passo pra trás e perguntar algo mais pertinente: essa satisfação tem alguma utilidade prática? Ela ajuda a amenizar a dor da perda, ou sair do estado de luto? Eu não tenho experiência com isso, então não poderia opinar, nem pretendo investigar estudos psicológicos sobre o tema (por enquanto), porque eu tenho mais o que fazer (e.g. procrastinar), mas considerando que “olho por olho” é uma atitude universal, talvez seja possível propor uma explicação lógica para essa satisfação, usando psicologia evolucionista:

Há 100 mil anos, numa pequena comunidade típica caçadora-coletora, pré-autoridade política, punição era morte. Eles não se davam ao trabalho de construir gaiolas, como fazemos hoje, para eliminar as maçãs ruins do resto. Se algum primitivo criminoso ou “psicopata” saísse causando problemas, o único jeito de detê-lo seria executá-lo. Vingança era algo útil para uma comunidade, e associa-la à satisfação emocional contribuiria para tal comunidade. Povoados que gostavam de matar as maçãs ruins teriam vantagem sobre os povoados mais pacíficos.

Eu não sei se isso funciona, mas parece explicar em parte nossa insistência em querer “olho por olho, dente por dente”. E se, como disse Ghandi, “um olho por um olho deixa o mundo todo cego” (e, supostamente, “um dente por um dente deixa todo mundo banguela”), nossa espécie retardada parece preferir ficar cega e satisfeita a enxergar e ignorar.

***

[1] Bundas Levadas, bom nome pra banda hardcore gay.

[2] A não ser, é claro, na espera no corredor da morte. Saber que você irá morrer logo é mais agonizante e perturbador do que esperar indefinidamente pela morte num lugar só.

3 Comentários

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3 Respostas para “Pena de Morte: Sem Graça

  1. Desculpe, mas isso não faz sentido. A satisfação que (teoricamente) se tem ao ver um criminoso ser executado não é a de saber (ou crer) que ele irá queimar no mármore do inferno, mas sim em saber que tem menos um filho da puta fazendo merda por aí.

    • @Fabiano Neme

      Essa satisfação sem dúvida existe, mas pra isso não é necessário uma execução. Basta colocá-lo na cadeia e jogar a chave fora. E eu tenho a impressão de que isso não seria o suficiente pra uma boa porção da população.

  2. Fabiano Ristow

    pode ser, mas muita gente quer que o cara morra por vingança, como “troco” pelo que fez com a vítima, e não pela ideia solidária de que outras pessoas não sofrerão o mesmo.

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